Sunday, August 10, 2008

Transcrição do comentário que fiz a este artigo do blog "De Rerum Natura". O artigo, do "Diário de Notícias", expõe a opinião de João Miranda sobre o "Magalhães", o computador "fabricado em Portugal" que irá ser distribuído em barda nas escolas portuguesas.

Eis o meu comentário (corrigidas pequenas gralhas do original).

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António Soares disse...

É como a garrafa de whisky: para o dono já está meio vazia; para o conviva está ainda meio cheia...

Como em tudo, há prós e contras na produção do "Magellan" (acho este nome mais giro). Vou marcar com "P's" e "C's" alguns aspectos que me merecem consideração.

Política, qualidade de ensino, etc..., em termos abstractos não vou discutir. Já há muitos Gigabytes de opiniões na Net sobre isso. Para situar o eventual leitor acrescento apenas que sou Prof. Universitário há... mais de 20 anos, ora em Depts. de Física ora num Dept. de Eng. Electrotécnica, e nutro um forte interesse por Ciência de Computadores e Linguagens de Programação, em geral.

P: ao trazer a produção do Magellan para Portugal levamos a melhor sobre a China, a maior potência industrial emergente na Terra...

C: ... e também estamos a competir com um país que tem dos mais baixos custos de mão-de-obra e piores condições de trabalho na Terra...

P: proporciona-se acesso a um computador barato, mas que, apesar disso, deverá servir razoavelmente para realizar 95% das tarefas que o cidadão/aluno comum normalmente efectua.

C: não se dá praticamente nenhuma formação aos professores do secundário para ensinar os seus alunos a "criar" com um computador (que é a ferramenta mais poderosa da Terra!). Como é mais que sabido, o trabalho "em computador" que os professores dão aos alunos é a realização de pesquisas com vista à feitura de trabalhos em grupo de utilidade bastas vezes duvidosa (basta ver os temas propostos nos livros de estudo...) e que, com muita frequência, promove o plágio do "copy-paste" nos sites do costume (parabéns Wikipedia!) em vez de promover a consulta de fontes alternativas (sites ou livros) com opiniões diferentes da "média democrática" veiculada nos tais "sítios do costume."

C: haverá professores (e falo aqui dos de Matemática, de Física - ou serão de Química? - e de Tecnologias, aqueles que à partida terão mais apetência para isso) que estejam dispostos a fazer formação de algumas centenas de horas para aprender Scratch, Basic, HTML, CSS e fundamentos de algoritmos e estruturas de dados (para já não falar da aprendizagem de Python, C, ou Java e a usar um terminal de comandos em Linux? Ou mesmo de Smalltalk - óptima para introduzir Programação a miúdos -, e Processing, excelente para artistas potenciais?) Estes professores poderiam depois servir de correias transmissoras destes conhecimentos cada vez mais essenciais para "as profissões com futuro" do futuro... É sabido que miúdos com 12 anos podem com muita facilidade aprender os fundamentos da Programação.

P: estou certo de que muitos professores abraçariam aquele desafio, assim o Governo promovesse a criação de cursos sérios e estruturados nesse sentido em vez das "costumeiras parcerias com empresas multinacionais multi-bilionárias" que, obviamente, puxam a brasa à sua sardinha "vendendo" apenas as tecnologias e o conhecimento que lhes interessam, em vez de promover uma perspectiva não enviesada da área (nota: não sou um zelota das "free-and-open-source-technologies": há também tecnologias muito boas que se pagam ou que não são open-source...)

C: haverá no aparelho de Estado, e mais concretamente no MCTES, no Min. da Economia ou no Min. da Educação, umas alminhas com poder, vontade e discernimento para montar um sistema de formação em Tecnologias da Informação de qualidade, direccionado para professores, que não seja somente o pseudo-alugar de banda larga, via rede-de-telemóvel, nuns PCs baratos, e que de facto permita aos putos aprender a programar e a usar um PC para produzir trabalho e não apenas para consumir telecomunicações? (nota: um amigo meu, que trabalha numa empresa de IT em Portugal, disse-me recentemente que estavam a montar uma "fábrica de software" em Marrocos que empregaria largas centenas de programadores... já não são só as conservas, as pescas e os têxteis...)

Bem, adeuzinho. Já falei de mais e isto é um comentário, não um ensaio... A produção do Magellan não é má em si mesma, é pena é que não seja acompanhada de medidas estruturantes que de facto eduquem os miúdos e lhes permitam no futuro ganhar uns bons $$$ em vez de recorrer ao Subsídio de Desemprego ou ao "Rendimento Mínimo Garantido".

"Magellan Rules" (o que passou do Atlântico para o Pacífico num barquito, e morreu depois envenenado por uma seta, se bem me lembro...)

10 de Agosto de 2008 16:14